A prática científica na era da Inteligência Artificial Generativa
Kris H. Oliveira
Durante setembro de 2025, o projeto PrEP América do Sul promoveu um grupo de leitura sobre a prática científica na era da Inteligência Artificial Generativa (IAG), em parceria com o Laboratório de Estudos Socioantropológicos sobre Tecnologias da Vida (Nudecri/Labjor/Unicamp) e o Núcleo de Estudos Psicossociais sobre Direitos Humanos e Saúde (NEPDS/UEA). A iniciativa, desenvolvida em cinco encontros, teve como foco o livro Diretrizes para o uso ético e responsável da Inteligência Artificial Generativa: um guia prático para pesquisadores, de Rafael C. Sampaio, Marcelo Sabbatini e Ricardo Limongi (2024). A condução das atividades foi realizada por Kris H. Oliveira, doutor em Ciências Sociais e co-coordenador do PrEP América do Sul, e contou com a participação colaborativa dos integrantes dos grupos.
Princípios gerais
No primeiro momento, o grupo dedicou-se aos princípios gerais apresentados pelo livro, abordando a importância de compreender como funcionam as ferramentas de IAG, seus limites, vieses e riscos. Discutiu-se ainda a centralidade da autoria humana, a necessidade de transparência sobre o uso de IAG nos trabalhos acadêmicos e a defesa da integridade da pesquisa científica. Esses pontos reforçaram que a IAG pode ser utilizada como apoio ou uma ferramenta e não como substituta da criatividade, da responsabilidade e do pensamento crítico dos pesquisadores.
Princípios práticos
Nos encontros seguintes, o grupo passou à discussão dos princípios práticos, examinando aplicações da IAG em diferentes etapas da pesquisa. Foram abordados temas como a exploração inicial de ideias, a busca e organização de materiais acadêmicos, a leitura e o resumo de textos, a escrita, a análise de dados, a programação, a transcrição e a tradução. Também entraram em pauta o uso da IAG em pareceres, avaliações e processos seletivos, assim como os desafios associados a agentes autônomos e a ferramentas de detecção de conteúdo gerado por máquinas. As discussões destacaram tanto as possibilidades de apoio e ganho de eficiência quanto as limitações relacionadas à superficialidade, ao risco de plágio involuntário e à dependência excessiva.
Além do hype
No último encontro, o grupo retomou as considerações finais do livro, que destacam a importância de superar visões exclusivamente normativas e avançar em direção a práticas de governança, participação e apropriação crítica da IAG. Discutiu-se como a centralidade da ética precisa estar articulada à construção de políticas públicas que assegurem soberania tecnológica e inclusão. Nesse contexto, foi também apresentado o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024–2028, cujas diretrizes e desafios apontam para a necessidade de o país desenvolver modelos próprios, abertos e adaptados às suas realidades sociais e científicas. A reflexão sobre o PBIA possibilitou relacionar as questões acadêmicas a um horizonte mais amplo das políticas nacionais de ciência, tecnologia e inovação.
IAG na era farmacopornográfica
Cabe destacar uma reflexão que emergiu nas discussões a partir da obra de Paul B. Preciado. O filósofo propõe que vivemos em uma era farmacopornográfica, na qual o controle da subjetividade e dos corpos é mediado por tecnologias biomédicas e por dispositivos de produção de imagens, discursos e afetos. A incorporação da inteligência artificial a esse cenário amplia esse regime, na medida em que algoritmos modulam desejos, capturam dados e automatizam a circulação de narrativas, intensificando o que Preciado denomina pornopoder e farmacopoder. A profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), por sua vez, insere-se nessa ecologia, pois constitui ao mesmo tempo uma intervenção biomédica e um dispositivo que reorganiza práticas sexuais, políticas de saúde e representações sociais. A articulação entre IAG e PrEP permite refletir criticamente sobre como tecnologias que se apresentam como promotoras de liberdade e cuidado também podem operar mecanismos de regulação, vigilância e desigualdade.
Nuvem de palavras
No primeiro e no último encontro, o grupo realizou uma atividade de nuvem de palavras para responder à pergunta: “Qual a primeira palavra que vem à sua mente quando pensa em uso de inteligência artificial generativa na pesquisa científica?”. A comparação entre as duas imagens mostra uma transformação significativa: no início, termos como insegurança, facilidade e agilidade apareciam em destaque, refletindo tanto expectativas de eficiência quanto receios sobre riscos e limitações. Já ao final, após as leituras e debates coletivos, emergiram palavras como ferramenta, aprendizado e criticidade, sinalizando uma percepção mais madura e reflexiva, na qual a IAG passa a ser vista não apenas como fonte de incertezas, mas como recurso prático que exige uso ético e responsável.
Nuvem de palavras construída por dez participantes no primeiro encontro

Nuvem de palavras construída por sete participantes no último encontro

Este texto foi elaborado a partir das anotações dos encontros de Kris H. Oliveira, com o apoio da Inteligência Artificial Generativa ChatGPT-5 na organização e redação final. A versão final foi revisada pelo autor.