O Coordenador Regional do Projeto PrEP América do Sul, Guilherme Passamani, e o bolsista Marco Aurélio Soares, ambos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), realizaram a primeira viagem às cidades da fronteira e interior da Bolívia, entre os dias 7 e 14 de julho de 2024.
A viagem teve como objetivo a realização de reuniões com profissionais da saúde nas cidades de Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suárez, assim como a participação do projeto no 10º Congresso Extraordinário do Coletivo TLGB, na cidade de Cobija, para apresentação do projeto e discussão do processo de implementação da PrEP no país.
Em uma entrevista, Passamani e Soares compartilharam os desafios enfrentados, as percepções locais sobre a PrEP e as expectativas para a implementação da profilaxia no país. A viagem ao congresso foi crucial para entender a realidade boliviana e fortalecer as parcerias necessárias para o avanço do projeto, que também abrange as cidades bolivianas de Puerto Quijarro e Puerto Suarez.
Entrevista
Gostaria de começar pedindo que se apresentem e nos contem um pouco sobre suas funções no Projeto PrEP América do Sul.
Guilherme Passamani: Eu sou Guilherme Passamani, Professor na UFMS e Antropólogo. No projeto, atuo como coordenador regional, responsável pelas cidades de Campo Grande, Corumbá, Ponta Porã, Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Bolívia).
Marco Aurélio Soares: Sou Marco Aurélio, pós-doutorando em Doenças Infecto-Parasitárias pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. No projeto PrEP América do Sul, sou pesquisador de campo nos municípios de Campo Grande, Corumbá, Ponta Porã no Mato Grosso do Sul (Brasil) e na fronteira do Paraguai e Bolívia.
Vocês foram apresentar o Projeto PrEP América do Sul em um congresso? Qual foi o congresso? Por que foram?
Guilherme Passamani: Nós fomos apresentar o projeto no 10º Congresso Extraordinário do Coletivo TLGB da Bolívia. É um dos coletivos LGBTQIAPN+ mais importantes da Bolívia e que estava fazendo seu Congresso Extraordinário do ano de 2024, na cidade de Cobija, no estado de Pando. Fomos porque entendemos que é estratégico estar perto de quem está pensando o desenvolvimento da PrEP na Bolívia, que ainda não existe. Alguns coletivos já estão com conversas avançadas para o processo de distribuição da PrEP, que hoje acontece somente na rede privada.
Como foi a preparação de vocês para a apresentação?
Guilherme Passamani: Com relação à preparação para a apresentação, acho que foi muito importante a visita técnica que fizemos nas cidades da fronteira, em Puerto Quijarro e Puerto Suarez, para entender um pouco essa realidade bastante precária no que diz respeito à PrEP e a completa desinformação. Assim, já fomos para o Congresso com mais subsídios. De maneira geral, tudo que apresentávamos era muita novidade para a maior parte das pessoas, com exceção de um instituto em Cochabamba, que já está mais avançado na discussão sobre PrEP. Nossa preparação foi principalmente para dar a conhecer o projeto e, em alguma medida, pedir que se tornem nossos parceiros.
Por que a viagem foi importante para o projeto?
Guilherme Passamani: A viagem foi muito importante para o projeto. Primeiro, porque era o país com mais dificuldade de contato e sobre o qual sabíamos quase nada, já que a PrEP ainda não existe lá. Está em discussão há alguns anos, mas não avança no Ministério da Saúde. Parece que agora o movimento social é que, efetivamente, está demandando. Nas outras cidades e lugares, conseguimos avançar mais diretamente. Com a Bolívia, a partir dessa aproximação, talvez fique mais fácil o contato e o desenvolvimento do projeto.
Marco Aurélio Soares: A visita técnica foi a oportunidade de refletir sobre o campo, quanto aos dados a serem coletados em 2025. Em relação à Bolívia, a pressão da OMS para a implementação da PrEP iniciou em 2020, mas ainda não há previsão de implementação em todo o território, apenas um piloto em Cochabamba, Santa Cruz e La Paz. A participação foi importante para apresentar o protocolo brasileiro e ajudar na elaboração do protocolo boliviano.
Que observações preliminares sobre a PrEP no país foram possíveis retirar? O que pensam em fazer nas próximas etapas?
Guilherme Passamani: A primeira coisa sobre a PrEP é que falta tudo em relação à profilaxia no país. As discussões ainda são muito preliminares e não tenho certeza de que haverá um protocolo a curto prazo, talvez nem a médio, porque esbarra em questões políticas e morais. Dá para se perceber também a importância do SUS brasileiro, da gratuidade do SUS, pois o SUS boliviano é pago, e como o SUS brasileiro tem atendido essas regiões de fronteira. Isso já é um resultado preliminar importante e que era uma questão que supúnhamos e concluímos que acontece. Sobre a PrEP no país, não há nada, apenas uma discussão, e ela sendo distribuída por algumas instituições privadas a valores elevados, dificultando o acesso da maioria das pessoas. É um contexto profundamente diferente do brasileiro.
Falando sobre as percepções locais, como vocês avaliam a aceitação e o conhecimento sobre a PrEP na Bolívia em comparação com outros países da América do Sul?
Guilherme Passamani: O conhecimento sobre a PrEP é quase nenhum, muito restrito. Mesmo as lideranças do movimento social sabiam muito pouco, era uma ou outra pessoa da instituição, e mesmo a médica do Ministério da Saúde, que trabalha com HIV e outras infecções, sabia pouquíssimo sobre a PrEP. É um contexto de muita carência de informação, e se faz necessária uma aproximação, considerando o know-how já desenvolvido no Brasil, especialmente no nosso projeto Banco de Dados do Estado. Acho fundamental compartilhar isso com esse país vizinho que ainda está em um estágio bem anterior em relação a essa profilaxia.
Marco Aurélio Soares: Foi uma participação muito efetiva, com futuras parcerias que irão ajudar o projeto nas três províncias onde a PrEP será iniciada.
Qual foi a reação das organizações locais e internacionais presentes no congresso em relação ao projeto PrEP América do Sul?
Guilherme Passamani: A reação das organizações locais presentes no congresso em relação à PrEP foi de muito interesse no que estávamos dizendo, com dúvidas muito básicas e, aparentemente, uma aceitação muito grande do nosso projeto. Vamos ver se isso se concretiza, mas houve muita aceitação, as pessoas ficaram muito interessadas, questionaram bastante, devido aos muitos tabus e dúvidas em relação à PrEP. Tentamos esclarecer tudo isso na medida do possível.
Marco Aurélio Soares: Ficaram surpresos ao saber que a Bolívia está isolada na dispensação da medicação, sendo o único país da América do Sul a não fornecer a PrEP. Tivemos a oportunidade de conhecer a realidade do Sistema Único de Saúde da Bolívia.
Por: Mayllon Oliveira
Revisão: Kris H. Oliveira