Por: Thiago Peniche, Luciana Kamel e Kris Herik de Oliveira
O Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da AIDS (PEPFAR) é uma iniciativa do governo dos Estados Unidos voltada para a resposta à epidemia global de HIV/AIDS, com foco na prevenção, tratamento e apoio às pessoas afetadas. Lançado em 2003, por meio do PEPFAR, o governo dos EUA investiu mais de US$ 110 bilhões na resposta global ao HIV/AIDS, o maior compromisso de qualquer nação para lidar com uma única doença na história. A iniciativa contribuiu para salvar cerca de 26 milhões de vidas, prevenindo milhões de infecções por HIV e acelerando o progresso em direção ao controle da epidemia em mais de 50 países.
Em janeiro de 2025, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a interrupção do financiamento para programas de HIV, incluindo o PEPFAR. A interrupção do financiamento do PEPFAR resultou na suspensão e redução de programas essenciais na América do Sul. A medida afetou pesquisas, distribuição de antirretrovirais, testagem, apoio psicológico, entre outras ações e serviços, colocando em risco a vida de mais de 30 milhões de pessoas, principalmente imigrantes, refugiados e populações LGBTQIAPN+.
Diante desse cenário de retração no financiamento internacional à resposta ao HIV/AIDS, o PrEP América do Sul realizou um mapeamento dos impactos decorrentes dos cortes no programa PEPFAR em países sul-americanos. A seguir, apresentamos uma síntese das principais repercussões observadas na região, além de uma seleção de reportagens e análises publicadas recentemente sobre o tema.

Imagem: Thiago Peniche/Prep América do Sul
Brasil: impacto em projetos locais, mas não no SUS
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) garante acesso universal, gratuito e ininterrupto ao diagnóstico, prevenção e tratamento do HIV. Por isso, a resposta nacional à epidemia não foi afetada diretamente pelos cortes do PEPFAR. No entanto, projetos locais que atuavam em parceria com o programa sofreram impactos importantes.
Um exemplo é o projeto “A Hora é Agora”, financiado com recursos do PEPFAR e desenvolvido em quatro capitais – Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Campo Grande. O projeto oferecia atendimento médico, testagem, distribuição de antirretrovirais e PrEP, além de outros serviços de saúde pública voltados especialmente para populações vulneráveis. Com o fim do financiamento, o projeto foi encerrado.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, os usuários do projeto foram redirecionados para outros serviços de referência, mas sem a mesma capacidade de atendimento, o que compromete a prevenção e o tratamento do HIV entre grupos mais vulneráveis. Em Santa Catarina, cinco infectologistas, oito enfermeiras e dois farmacêuticos foram desligados de seus postos de serviço e perderam seus contratos.
Os cortes também afetaram iniciativas que não estavam diretamente ligadas à saúde, mas que dependiam de apoiadores financiados pelo PEPFAR. A ONG Trans Vida, por exemplo, teve que suspender seus serviços gratuitos de retificação civil de nome e gênero para pessoas trans e travestis.
Colômbia, Peru e Venezuela: demissões e risco para imigrantes e refugiados
Na Colômbia, os cortes afetaram aproximadamente 4.000 imigrantes e refugiados – um grupo que já enfrenta uma prevalência de HIV duas vezes maior do que a da população geral. Sem os recursos do PEPFAR, a capacidade do país de incluir essas pessoas no sistema de saúde foi comprometida.
Segundo a UNAIDS (Agência da ONU que coordena a resposta global à epidemia de HIV/AIDS), uma organização comunitária que oferecia assistência a imigrantes e pessoas LGBTQ+ vivendo com HIV precisou encerrar contratos de 40 de seus 70 profissionais, reduzindo sua capacidade de atendimento.
Os imigrantes venezuelanos também enfrentam dificuldades crescentes no acesso a medicamentos. A ONG Red Somos, por exemplo, que é a principal fornecedora de remédios para essa população, teve que reter 3.000 unidades de medicamentos antirretrovirais, pois ainda não está autorizada a distribuí-los. Com isso, centenas de pessoas ficaram sem tratamento.
No Peru, a suspensão dos recursos afetou diretamente a distribuição de insumos de prevenção, como preservativos, e interrompeu o acesso à PrEP para mulheres jovens, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e pessoas trans. Também houve enfraquecimento de serviços comunitários essenciais, como aconselhamento, apoio à adesão ao tratamento e ações de prevenção lideradas por pares. Imigrantes e refugiados — já vulneráveis no acesso ao sistema de saúde — estão entre os mais afetados.
Impactos dos cortes na produção científica sobre HIV
Os cortes no PEPFAR também afetaram a produção científica sobre HIV e saúde pública. A administração Trump proibiu o uso de termos como “gênero”, “transgênero”, “LGBT” e “vulnerável” em documentos científicos, o que restringe pesquisas sobre as populações mais afetadas pela epidemia de HIV. Segundo o Infobae, mais de 30 estudos em áreas como HIV, nutrição infantil e câncer foram paralisados, inclusive em países da América do Sul como Peru e Chile.
Veja abaixo o impacto dos cortes do PEPFAR na América do Sul em detalhes:
Corte de Trump em ajuda humanitária pode causar colapso no combate ao HIV | Fonte: Viva Bem | Idioma: Português | Ativistas e especialistas brasileiros alertam para o risco de colapso no combate ao HIV, especialmente em países em desenvolvimento, e pedem mobilização internacional urgente para reverter a medida e repensar modelos sustentáveis de financiamento global em saúde. Leia mais aqui.
El impacto crítico de la congelación de fondos del PEPFAR para el VIH en América Latina y el Caribe | Fonte: UNAIDS | Idioma: Espanhol | O congelamento dos fundos dos EUA, incluindo o PEPFAR, afetou gravemente a resposta ao HIV na América Latina e no Caribe. Mais de 20 países que dependem dessa ajuda enfrentam interrupções em serviços de tratamento e prevenção, especialmente os voltados para comunidades marginalizadas. Leia mais aqui.
Após corte de Trump, projeto para pacientes com HIV tem atendimento suspenso em Porto Alegre | Fonte: G1 | Idioma: Português | Os atendimentos do programa “A Hora é Agora” foram suspensos em Porto Alegre após o corte de verbas do governo dos EUA. Financiado pelo PEPFAR, o projeto oferecia testagem e acompanhamento para HIV em parceria com a Fiocruz e o CDC. Leia mais aqui.
Nota de Esclarecimento – Descontinuação do serviço de retificação civil de nome e gênero | Fonte: Trans Vida | Idioma: Português | A organização TRANS VIDA informou que, devido a mudanças nas políticas do governo Trump, seu principal patrocinador, “Race and Equality”, sofreu restrições que impactaram diretamente seus serviços. Como consequência, a organização não poderá mais oferecer a retificação civil de nome e gênero. Leia mais aqui.
Colombia: USAID Suspension cuts off lifesaving HIV medications for migrants | Fonte: HIV Justice Network | Idioma: Inglês | Imigrantes venezuelanos com HIV na Colômbia enfrentam riscos graves após a suspensão de fundos da USAID por Donald Trump. A ONG Red Somos, principal fornecedora de medicamentos para essa população, foi impedida de distribuir 3.000 frascos de antirretrovirais, afetando especialmente 350 imigrantes em situação irregular, dos quais 104 estão em estágio avançado da doença. Sem documentação válida, eles não têm acesso ao sistema de saúde colombiano. Leia mais aqui.
Impact of US funding freeze on HIV programmes in Peru | Fonte: UNAIDS | Idioma: Inglês | As interrupções incluem a distribuição de preservativos e suprimentos de prevenção, além da restrição do acesso à PrEP para jovens mulheres, trabalhadoras do sexo, homens que fazem sexo com homens (HSH) e pessoas trans. Também houve uma redução na testagem e aconselhamento para grupos vulneráveis, como usuários de drogas injetáveis e pessoas encarceradas. Leia mais aqui.
El impacto devastador de la administración de Trump em la salud y la ciencia a nivel global: ¿cómo afecta al Perú? | Fonte: Infobae | Idioma: Espanhol | A saída dos EUA da OMS e o encerramento de programas como PEPFAR, USAID, NIH e CDC durante o governo Trump paralisaram o financiamento global em saúde. Isso afetou pesquisas, eliminou alertas sanitários e fechou sites com informações essenciais. No Peru, milhares de pessoas ficaram sem acesso a tratamentos e ações de prevenção de doenças. Leia mais aqui.
Trump interrompe distribuição de medicamentos anti-HIV em países pobres | Fonte: Globo | Idioma: Português | O governo de Trump instruiu organizações em outros países a pararem de distribuir medicamentos para HIV comprados com auxílio dos EUA, mesmo que os medicamentos já tenham sido obtidos e estejam em clínicas locais. Leia mais aqui.
Um ousado passo na luta contra a aids | Fonte: OUTRASAUDE | Idioma: Português | Com a suspensão do PEPFAR, 21 Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), 16 serviços especializados e ações de apoio à atenção primária correm o risco de serem descontinuados, comprometendo metas de eliminação do HIV/AIDS como problema de saúde pública. Leia mais aqui.
As Fellow Pro-Lifers, We Are Begging Marco Rubio to Save Foreign Aid | Fonte: New York Times | Idioma: Inglês | O corte temporário de financiamento do programa PEPFAR (Plano de Emergência do Presidente para Alívio da AIDS) pelo governo Trump afetou diretamente os esforços globais para prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho, uma das maiores vitórias da saúde pública nas últimas décadas. Leia mais aqui.
Como suspensão de financiamento dos EUA impacta programa para pessoas com HIV em SC | Fonte: NSC TOTAL | Idioma: Português | Cinco infectologistas, oito enfermeiras e dois farmacêuticos foram desligados de seus postos de serviço e perderam seus contratos, suspendendo as atividades do programa no início de fevereiro. Leia mais aqui.
Decisão de Trump afeta tratamento do HIV em Florianópolis: ‘Ameaça global’ | Fonte: NDMAIS | Idioma: Português | Florianópolis era uma das capitais contempladas pelo programa “A Hora é Agora”. A prefeitura estuda medidas para continuar garantindo o tratamento do HIV depois da terminação do programa. Leia mais aqui.
Cortes de Trump afetam programa que atende pacientes com AIDS em Curitiba | Fonte: Bem Paraná | Idioma: Português | A Prefeitura de Curitiba informou que irá absorver o atendimento dos pacientes com Aids que eram atendidos pelo “A Hora é Agora”. Com isso, eles serão acolhidos e atendidos por profissionais da secretaria. Leia mais aqui.